segunda-feira, julho 25, 2005

SEM LUZ

São 17:27 e o sol ilumina a minha face esquerda. Já sinto minha pele arder pelo calor da luz solar; Vislumbro pela primeira vez a grande estrela Sol. Agora eu sei o que é luz; Por toda a minha vida eu que só senti os seus raios, raios que agora me invadem. Espero que eles alcancem a escuridão que tomou meu coração. Foram vinte e um anos só de percepção. Na maioridade deixo as intensas trevas. Eu vejo um piscar intermitente de cores que desconheço. Vejo imagens distorcidas. O real é diferente do imaginário. Faces desconhecidas, vozes e cheiros familiares. Estou na estrada das descobertas. Sem a necessidade de um guia, a sensação de liberdade me faz a sair a vagar pela cidade, totalmente depreendida, sem noção alguma de tempo ou espaço. Sem lugar para chegar, sem hora para voltar. Às vezes eu corro e corro muito, outras horas caminho bem devagar, e em alguns momentos eu paro, estática, e me perco a observar desde a imensidão do céu repleto por nuvens ao detalhe de uma pequena folha seca no chão. Uma avalanche de informações visuais despenca por todo lado. Eu tenho um mundo todo para ver. E este mundo é colorido! São 17:27, o sol ainda aquece a minha face esquerda. Os meus olhos vêem muito melhor agora. No chão há folhas podres! Vejo imagens sem cores. Imagens disformes. Não sinto mais a mesma euforia das descobertas de outrora. A cada passo o nítido contraste em tudo me apavora. Várias pessoas, algumas são sombras que vagam no caos de uma sociedade cinzenta. Faces que por mim passam: a fome, o medo, a solidão, a violência, os traumas, os anseios. A podridão dos bueiros abertos não parece ser notada! A cara de um mendigo faminto. A mão estendida de uma criança suja que esta perdida. Um velho solitário que mexe nas latas de lixo. Uma senhora sendo assaltada por um menino. As pessoas que passam por mim estão alheias. Indiferentes ao que lhe cercam – tem olhos, tem visão, mas não enxergam ou fingem que não. O céu não é tão azul, parece refletir as ruas! São fortes sensações que sinto diante de cada passo. Da fascinação ao espanto, da alegria a tristeza; Em cada descoberta sentimentos opostos afloram no meu peito de uma intensidade nunca sentida. Lagrimas que se misturam com gargalhadas. Eu não sabia que uma rosa vermelha é tão bonita. Perigosa beleza. Ninguém me falou dos espinhos. Desnudando cada paisagem, cada cena, figuras, imagens, compreendo que enquanto o belo nos atrai e hipnotiza o seu oposto nos repulsa e cega. O mundo também é cinza. Apesar de ter caminhado muito, sobrecarregado minha mente e ter o emocional bombardeado, não me sinto cansada, porem muito viva. Uma energia percorre todo o meu corpo como se fosse meu sangue, mas ela vai alem, ela toca minha alma, se mistura com o meu ar e me faz sentir leve como uma pena ao vento. Num abrir e fechar de olhos, eu viajo na velocidade da luz, percorro vários lugares, agora mesmo estou em um lindo parque, admirando meu reflexo, pela primeira vez, na água de uma fonte. Só agora parei para me observar! Uma bela menina, cega, que por descuido se afastou do seu irmão, e depois de segundos se chocará com um carro. Ela está caída, rodeada por pessoas perplexas com a tragédia, a uma quadra de sua casa, a grande maioria lhe reconhece. Ainda estou deitada e minha face esquerda ainda iluminada e aquecida. Ainda são 17:27, acho que o relógio parou junto com o meu coração.
Argel Medeiros

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