Você já teve alguém que te fez voltar a ser criança? Olhar estrelas, comer mais chocolates, dar nó em pingo d'água, usar perfume, enxergar na multidão perfis que não existem, escrever poesia com a explosão dos fogos de artifício?
Você já teve alguém por quem valeu a pena cruzar o oceano? Saltar de pára-quedas, voar de asa delta, passar noites em claro, perder a fome, devorar ostras, beber champanhe em taça, vinho em caneca, jogar xadrez, levantar da cama para abrir a porta?
Você já teve alguém que te fez sonhar, escrever cartas, enviar mensagens através dos pombos, rodar a baiana porque ficou sem notícias, trocar o samba por rumba, tomar um porre de tequila, ver de novo o mesmo filme, fechar a janela de dia pelo prazer de se tocar na penumbra?
Você já teve alguém por quem seu coração disparou bem ali na esquina? Por quem suas pernas tremeram, seu corpo se alvoroçou, seu rosto queimou, ...
Você já teve alguém por quem mentiu descaradamente? E para quem contou todas as suas verdades, por quem brigou, discutiu, partiu pra cima, entrou na dividida, suspirou no bar dando a maior bandeira, mudou de mesa, de cadeira e com quem, enfim, foi embora feliz na madrugada?
Você já teve alguém que te fez estudar as teorias de Freud? Atentar para a sincronicidade de Jung, adivinhar pensamentos, vivenciar 'acasos', acreditar que encontrou sua alma gêmea?
Você já teve alguém que tirou seu fôlego? Por quem aprendeu a nadar, mergulhar, usar 'snorkel', viajar de barco, limpar peixes, retirar escamas, lavar as mãos com vinagre e temperar saladas de folhas, frutas e legumes?
Você já teve alguém por quem quebrou o pescoço no trânsito? Afundou a rua para saber onde ele morava, consultou cartomantes, usou patuás, benzeu-se, acendeu vela ao santo e depois morreu de rir quando sacou que tudo isso é uma tremenda bobagem?
Você já teve alguém com quem dormiu na cama, no chão, na rede e acordou como se tivesse flutuado em sonhos num colchão de plumas?
Você já teve alguém com quem mudou de cidade, redescobriu prazeres, fez passeios a pé, acordou mais cedo, tomou café sem açúcar, foi praticar esportes, rolou na grama, viu flamboyants, plantou girassóis, colheu mangas maduras e fez bolo com glacê sem nunca ter pisado na cozinha?
Você já teve alguém que, quando viu, já tinha chamado de amor? Com quem trocou palavras delicadas, diálogos ásperos, sussurros inaudíveis, murmúrios ininteligíveis e depois caiu num sono tão profundo quanto a vida quando cria sentido?
Se fez tudo isso, você se apaixonou. Se deu certo não sei, só sei que sem paixão a vida fica pela metade. E se você é como eu, nasceu, cresceu, namorou, casou, descasou, viveu, rompeu, renasceu. Melhor beber o amor em grandes goles, engasgando às vezes, do que usar conta-gotas e depois morrer de tédio ou... de sede.
Célia Musilli
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